quinta-feira, 23 de abril de 2009

Sócrates e o meu Avô.

Pedro Abrunhosa
Fevereiro 2009 Maxmen

Sócrates e o meu Avô
1. ( ... ) A instabilidade nas escolas, onde o corpo docente e conselhos directivos batalham incessantemente há anos por uma dignificação do aluno, leva a que a opinião pública passe a considerar como porto seguro as escolas privadas, fugindo em massa para este sector e deixando ao abandono aquela que deveria ser a principal área de actuação de qualquer governo desde a implantação da república. Um sistema de ensino público forte, coeso e estável, assim como um sistema de saúde e de justiça, é o pilar de uma sociedade justa e livre, onde a igualdade de oportunidades não seja uma expressão vã. A contínua hostilização aos professores feita por este, e outros governos, vai acabar por levar cada vez mais pais a recorrer ao privado, mais caro e nem sempre tão bem equipado, mas com uma estabilidade garantida ao nível da conflitualidade laboral. O problema é que esta tendência neo-liberal escamoteada da privatização do bem público, leva a uma abdicação por parte do estado do seu papel moderador entre, precisamente, essa conflitualidade laboral latente, transversal à actividade humana, a desmotivação de uma classe fundamental na construção de princípios e valores, e a formação pura e dura, desafectada de interesses particulares, de gerações articuladas no equilíbrio entre o saber e o ter.
O trabalho dos professores, desde há muito, vem sendo desacreditado pelas sucessivas tutelas, numa incompreensível espiral de má gestão que levará um dia a que os docentes sejam apenas administradores de horários e reprodutores de programas impostos cegamente. Não sou um saudosista, como bem se pode notar pelo que escrevo aqui regularmente, mas nem toda a mudança é sinónimo de evolução. Pelo contrário, o nosso direito poucas alterações sofreu em relação ao direito romano, e este do grego, sem que com isso se tenha perdido a noção de bem e mal, ainda que relativa de acordo com preceitos culturais e históricos. E, muito menos, a credibilização dos agentes de justiça, mormente magistrados, sofreu alterações significativas ao logo dos tempos, embora aqui também comecem a surgir sintomas de imenso desconforto, para já invisível ao grande público.

2. O que eu gostaria de dizer é que o meu avô, pai do meu pai, era um modesto, mas, segundo rezam as estórias que cruzam gerações, muito bom professor e, sobretudo, um ser humano dotado de rara paciência e bonomia. Leccionava na província, nos anos 30 e 40, tarefa que não deveria ser fácil à altura: Salazar nunca considerou a educação uma prioridade e, muito menos, uma mais-valia, fora dos eixo Estoril-Lisboa, pelo que, para pessoas como o meu avô, dar aulas deveria ser algo entre o místico e o militante. Pois nessa altura, em que os poucos alunos caminhavam uma, duas horas, descalços, chovesse ou nevasse, para assistir às aulas na vila mais próxima, em que o material escolar era uma lousa e uma pedaço de giz eternamente gasto, o meu avô retirava-se com toda a turma para o monte onde, entre o tojo e rosmaninho, lhes ensinava a posição dos astros, o movimento da terra, a forma variada das folhas, flores e árvores, a sagacidade da raposa ou a rapidez do lagarto. Tudo isto entrecortado por Camões, Eça e Aquilino. Hoje, chamaríamos a isto ‘aula de campo’. E se as houvesse ainda, não sei a que alínea na avaliação docente corresponderia esta inusitada actividade. O meu avô nunca foi avaliado como deveria. Senão deveria pertencer ao escalão 18 da função pública, o máximo, claro, como aquele senhor Armando Vara que se reformou da CGD e não consta que tivesse tido anos de ‘trabalho de campo’. E o problema é que esta falta de seriedade do estado-novo no reconhecimento daqueles que sustentaram Portugal, é uma história que se repete interminavelmente até que alguém ponha cobro nas urnas a tais abusos de autoridade. Perante José Sócrates somos todos um número: as polícias as multas que passam, os magistrados os processos que aviam, os professores as notas que dão e os alunos que passam.
( ... )
Pedro Abrunhosa
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1 comentário:

Anónimo disse...
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